Ao tratar, mais uma vez, do tema da
reforma tributária promulgada, só tenho dúvidas.
*Ives
Gandra
Não quero dizer que sou contra, mas como
não posso ser a favor, prefiro dizer talvez.
Inicialmente,
uma observação se faz necessária: nós entendíamos que o nosso sistema
tributário era excessivo no que diz respeito ao número de artigos contidos na
Constituição. Para simplificar, aumentaram três vezes o número de artigos para
regular o sistema tributário. Creio que isso trará problemas de interpretação.
Em segundo lugar, a
CBS (Contribuição
Social Sobre Bens e Serviços), que é um dos novos tributos que
foram instituídos após promulgação da Reforma Tributária do sistema tributário
brasileiro.
A
CBS trata de uma das duas parcelas do Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), (irá substituir os seguintes tributos
federais: PIS, COFINS e IPI) que entrará em vigor em 2026. O IBS (imposto
sobre bens e serviços) terá a sua incidência conforme aquilo que for
agregado em cada etapa de bens e serviços e que incidirá, de forma geral, sobre
operações com bens materiais ou imateriais (inclusive direitos ou com serviços)
em 2029, com regime jurídico idêntico. O Congresso Nacional, não os Estados e
Municípios, definirá as leis complementares e o regime jurídico de cada
tributo.
O
sistema caótico que temos continuará vigente até 2033. Então, as empresas, para
terem uma vida mais simplificada até 2033, se não houver prorrogação, deverão
conciliar o sistema que consideram caótico com o novo.
Vale
dizer, vão ter que trabalhar duas vezes: com um velho sistema cheio de
problemas e com um novo que elas desconhecem. Evidentemente, terão que aprender
e o trabalho será, no mínimo, duplicado.
Assim,
para simplificar, pelo menos até 2033, nós teremos um sistema mais complicado,
composto pelo antigo caótico e pelo novo desconhecido.
FIM DA AUTONOMIA FINANCEIRA
Terceiro ponto,
a federação acabou. Ora, o que caracteriza uma federação?
A
autonomia politica de eleger seus membros, prefeitos, governadores, deputados,
vereadores; a autonomia administrativa, de administrar os Estados e Municípios;
e a financeira, de definir a destinação dos recursos de acordo com a
necessidade orçamentária de cada Estado e Município.
Essa
autonomia financeira acabou, pois o controle do recebimento e a distribuição do
IBS serão centralizados em um Comitê instalado em Brasília, com 54 delegados,
sendo 5.569 municípios representados por 27 delegados e os 26 Estados e
Distrito Federal por outros 27.
Com
esse sistema, evidentemente, como, aliás, eles alertaram, os grandes Estados e
Municípios perderão, enquanto os pequenos e médios Estados e Municípios
ganharão; por causa do projeto de emenda no Senado que foi aceito pela Câmara
dos Deputados, no sentido de que as maiores benesses serão destinadas para os
Estados do norte e nordeste.
PREJUÍZOS DA UNIÃO
Por
outro lado, o projeto assegura que quem perder não será prejudicado, pois será
compensado em até 50 anos pelas perdas. De tal maneira que nós vamos ter, na
verdade, fundos com várias finalidades, tais como para equalizar o sistema,
chegando a R$ 60 bilhões, fora o que a União terá que colocar para, enfim,
equilibrar os que perdem com os que ganham. O que vale dizer, durante 50 anos,
ou pelo menos até 2043, com R$ 60 bilhões por ano, a União terá que bancar o
prejuízo.
Tal
previsão representa uma tentativa de equilibrar as perdas que existirão, mas
que eles não sabem de quanto será nem como será, pois não fizeram esses
cálculos até hoje, de tal forma que quem pagará esse dinheiro que a União
precisará colocar para compensar, evidentemente, só poderá ser o contribuinte.
Os
Estados, para terem certeza de que vão receber na partilha aquilo que eles
teriam como receitas, terão que definir, de 2024 a 2028, qual é a média
tributária que tinham com o ICMS, que será o IBS em 2029. O que vai acontecer é
que os Estados, para mostrar o que vão receber pelo que vierem a perder, terão
que ter uma receita boa na redistribuição. Os Estados que estão prevendo essa
perda já começaram a aumentar o ICMS, em 2023, para que, no ano de 2029, a
média justifique uma recepção de suas perdas no valor que a União terá que
compensar.
AUMENTO MONUMENTAL, CÁLCULOS ALEATÓRIOS
Como se vê, não é simples.
Foi aprovada a Emenda à Constituição. Ótimo. Temos agora um novo sistema.
Sabe-se qual vai ser alíquota? Não, nunca disseram qual seria alíquota. Sabe-se
quais serão as perdas dos Estados e Municípios? Não, apenas cálculo aleatório.
Sabe-se quanto cada setor vai ganhar ou perder? Não, não há nenhum cálculo até
hoje.
Mas já sabem quais são os
princípios constitucionais que são norteadores. Mas o que regulamenta são
exatamente as leis complementares e ordinárias.
Calcula-se que certos
setores, como de serviços, vão sair de uma alíquota máxima de 5%, mais 3,65% de
PIS/COFINS, para uma alíquota de 30% mais ou menos.
Haverá, portanto, um aumento
monumental. Se a alíquota for de 30% e para o setor, por exemplo, da advocacia,
for reduzida para 21%, ele sai de 3,65% e de uma taxa que representa, mais ou
menos, um salário mínimo por ano de ISS, e passa para 21%. Um aumento razoável,
tanto para o setor de serviços em geral, quanto para a advocacia em particular.
Fizeram
um cálculo de que a indústria vai ganhar 8%, comércio 6%, agricultura 4%,
serviços 2%. Os cálculos são aleatórios, a partir de uma projeção de que a
economia vai crescer 20% em um novo sistema.
Evidentemente,
pode dizer que vai crescer 30%, 40%, 10%, pode perder 20%, ninguém sabe. Aliás,
porque fazer cálculos não foi prioridade para o nosso Congresso, que decidiu
princípios direcionais sem conhecer projetos de leis complementares, nem de
leis ordinárias, nem examinar o impacto em cada entidade federativa e em cada
setor empresário?
LOBBY NO CONGRESSO
E,
a meu ver, no momento em que as leis forem apresentadas com os números haverá
lobbies no Congresso Nacional dos diversos segmentos, para conseguir novas
exceções na lei infraconstitucional, para que não tenham impacto negativo.
É
evidente que temos a previsão de princípios gerais. Só para dar um exemplo, o
que é um princípio geral? A Constituição fala, no artigo 155, que o Estado, pelo §2º, tem o direito de cobrar ICMS.
ICMS quer dizer Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias.
Essas três palavras (circulação, operação e mercadoria) estão em uma única linha na
Constituição, e o Supremo Tribunal Federal levou cerca de 30 anos para definir
o que seria “circulação”, “mercadoria” e “operação”.
Com
a reforma, nós temos três vezes mais dispositivos para o Supremo interpretar,
já que os outros, que ele continua interpretando e tendo dificuldades,
representavam um terço daquilo que foi aprovado.
Então, como os senhores veem,
enquanto não houver projetos de lei complementar e lei ordinária, nem análise
do impacto em todas as entidades federativas, em todos os segmentos, de que
maneira, efetivamente, o sistema funcionará e como o Supremo interpretará todos
esses dispositivos, bem como não souber quais setores, ao saber os percentuais
da lei, farão lobbies e serão atendidos.
A BOLA DA VEZ
Evidentemente
que não posso me posicionar. Portanto, como não conheço nenhuma dessas
informações, digo talvez.
Como,
entretanto, para simplificar, resolveram complicar mantendo dois sistemas até
2033, este raciocínio para um velho acostumado à lógica cartesiana, não é fácil
de compreender.
O
certo é, a meu ver, que vale a pena os advogados dedicarem-se, a partir de
agora, ao direito tributário, pois tantos serão os problemas de interpretação a
ocorrer, que terão um campo de atuação durante muito tempo.
Mas, não digo sim, não digo não, digo talvez....
Fonte: Gabriela Romão
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